segunda-feira, 23 de maio de 2011

Flower by Kenzo, by Chandler Blurr

Flower by Kenzo tem um dos acordes de saída mais surpreendentes de qualquer uma das fragrâncias no mercado. Se você for ao balcão de perfumes longe das horas de rush, é completamente possível borrifar um pouco do frasco da amostra em sua pele, inalá-lo, ser transportado, elogiá-lo para qualquer um que esteja por perto e assinar o recibo do cartão de crédito num espaço de quatro minutos. Que é a duração do primeiro brilhante e hipnótico movimento de Flower.

Creio que Alberto Morillas, seu perfumista, gastou muito tempo e energia com aquela abertura. O Flower poderia, em seu primeiro desdobramento na pele, ser chamado de "pedúnculo". Ele não cheira, de maneira alguma, à flor, e sim a mais maravilhosa e delicada haste verde, fresca e tenra, encolhida, preparando-se para se revelar. Se as primeiras notas não o encantarem, você está imune a qualquer coisa, com exceção do perfume Bandit, e sinto muito por você.
O que não significa dizer que Flower é necessariamente para todos. Dizer para quem ele não é, entretanto, é um pouco complicado. Isto que é estranho em Flower: ele não é, na verdade, um floral no sentido exato do termo. Começando por um fato que todos podemos concordar: ele não é, de modo algum, um soliflore (como os perfumistas chamam um perfume que imita o odor de uma única flor com - metaforicamente falando - precisão fotográfica; algumas pessoas dizem queDiorissimo é um soliflore de lírio-do-vale, embora estejam enganadas). Flower não tem o cheiro de nenhuma flor conhecida. Dito isto, a questão é qual sua intenção. Exceto pelo seu nome, não estou convencido.

Para classificá-lo, eu o colocaria ao lado do brilhante trabalho de arte abstrata que é o Rush, de Gucci, que tem o cheiro de um fabuloso salão de cabelereiros - seus sprays, os xampus, as pias de metal, o ar quente dos secadores... E é o segundo ato de Flower que tem cheiro de conceito de arte abstrata: a idéia de uma flor, de todas as flores que você já sentiu o cheiro, mas aperfeiçoadas, transbordando luz halógena (ele deve estar carregado de metil-diidrosjaminato, uma molécula que parece luz líquida), suavizada com talco. Dá para entender por que ele se mantém no topo da lista dos mais vendidos desde que surgiu, em 2000.

Flower recebeu a direção criativa de Patrick Guedj e Odile Lobadowsky, e eu imagino que ambos estavam pressionando o perfumista Alberto Morillas com a mesma idéia - a de uma "flor", no sentido genérico - e com uma única palavra, "transcender", mas no imperativo: "Faça para nós um floral e vá além. Pelo amor de Deus, Alberto, nada de margaridas pálidas (que não têm cheiro), nenhuma flor com cheiro de uma bomba explodindo (como a tuberosa), nenhuma flor que diga acabo-de-fazer-sexo-com-um-policial-italiano (jasmim, com seu toque de axilas), nada de senhoras almoçando em algum café chique (mimosa)." Então Morillas saiu e voltou com o que eles queriam.

David Foster Wallace escreveu um romance sobre um filme tão engraçado que ele mata quem o assiste. Morillas criou uma analogia a isso em forma de perfume, e este perfume é real. Este é um trabalho de arte do perfume tão apaixonante que captura quase todos aqueles que o borrifam em sua pele.




Tradução: Erika Brandão

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